Telas em excesso roubam a infância e viram desafio nas férias escolares

Especialistas alertam: o uso prolongado de dispositivos pode causar miopia precoce, distúrbios do sono e atrasos no desenvolvimento emocional das crianças
Por O Hoje
Data: 14/07/2025
Foto: Freepik

O recesso escolar é, para muitas crianças, sinônimo de liberdade e descanso. No entanto, essa pausa nos estudos também trouxe um desafio crescente dentro dos lares: o aumento significativo do tempo que os pequenos passam diante das telas. Tablets, celulares, televisores e videogames se transformaram nos principais companheiros durante as férias, substituindo as atividades ao ar livre e os momentos de socialização em família.

Segundo estudos da Universidade Federal do Paraná (UFPR), 74,4% dos adolescentes permanecem conectados por mais de duas horas por dia, tempo superior ao recomendado pela Academia Americana de Pediatria. 

As consequências dessa exposição prolongada não se limitam ao campo físico: especialistas têm observado impactos emocionais, cognitivos e sociais. Entre os efeitos mais comuns estão distúrbios do sono, dores musculares, piora na alimentação, dificuldades de interação e até prejuízos à visão e à audição.

A pediatra Mirna de Sousa, da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), reforça que o uso excessivo de telas compromete funções motoras e emocionais, especialmente na primeira infância. “Até os dois anos não recomendamos nenhum contato com telas. Após essa fase, o uso deve ser bem controlado, com alternativas offline presentes no dia a dia da criança”, orienta.

Presença ativa dos pais é fundamental

Para a médica, a melhor forma de combater a dependência digital é promover a participação ativa dos adultos. Planejar os dias livres com atividades criativas, como pinturas, leitura, jogos de tabuleiro, brincadeiras de faz de conta ou mesmo pequenas tarefas culinárias, é uma forma eficaz de envolver as crianças. “Quando os pais se envolvem, a criança se sente mais acolhida e segura. Isso gera sensações de bem-estar e estimula o desenvolvimento emocional saudável”, destaca Mirna.

A mudança de hábito, no entanto, não é simples. A comerciante Daniela, de 35 anos, mãe de dois filhos de 6 e 9 anos, relata o esforço da família para reduzir a presença das telas no cotidiano. “Parece que a cada dia a tela fica mais atrativa, mais cheia de ‘coisas’. A gente pisca e eles já estão hipnotizados pelo celular. Estamos limitando o tempo de tela, tiramos o celular antes de dormir e estamos brincando, contando histórias para entreter. É trabalhoso, mas necessário. Porque eu tenho medo que eles cresçam sem saber o que é uma infância de verdade”, desabafa.

Uma das alternativas mais recomendadas pelos especialistas é o incentivo ao contato com a natureza. Estudo do Instituto Alana mostra que apenas 27% das crianças brincam ao ar livre regularmente, em contraste com os 80% das gerações passadas. Atividades como passeios em parques, trilhas, piqueniques, plantar uma árvore ou simplesmente observar o céu são experiências ricas para o desenvolvimento infantil.

A pedagoga Juliana Ramos, de 40 anos, criou uma espécie de “trilha da infância” com os filhos gêmeos de 7 anos. “A gente sai para explorar lugares perto de casa. Eles brincam, correm, se sujam. Coisas simples, mas que fazem uma diferença enorme. E o melhor: voltam exaustos e felizes, sem precisar de um tablet”, relata.

Além das iniciativas individuais, colônias de férias, oficinas culturais, atividades esportivas comunitárias e até viagens em família para locais com menos conexão digital e mais natureza também ajudam a promover essa reconexão com o mundo real.

Considerar as múltiplas realidades das crianças brasileiras é fundamental quando se fala em educação e tecnologia. Com quase 40 milhões de crianças e adolescentes no País, a SBP destaca que gênero, classe, território e acesso à tecnologia influenciam diretamente o vínculo dos jovens com o mundo digital. Assim, medidas educativas e preventivas devem respeitar essa diversidade e oferecer soluções adaptadas às realidades locais.

Miopia infantil e outras sequelas da exposição

Um dos maiores alertas sobre o uso prolongado das telas vem da oftalmologia. De acordo com o médico Fábio Ejzenbaum, da SBP, o tempo excessivo diante de dispositivos digitais é uma das principais causas do aumento da miopia entre crianças e adolescentes. “O grande vilão é a indução da miopia. O excesso de telas e a baixa exposição à luz natural contribuem diretamente para o avanço do problema”, afirma.

A SBP aponta que crianças que passam muito tempo focadas em telas ,geralmente a curtas distâncias, desenvolvem mais cedo sintomas como olho seco, dor de cabeça e dificuldade de focalização. Estudos recentes revelam que 70% dos casos de miopia infantil surgiram ou se agravaram após o aumento do uso de telas durante a pandemia.

Para frear esse crescimento, a Organização Mundial da Saúde (OMS) orienta que crianças com menos de dois anos não tenham qualquer contato com telas. Entre dois e seis anos, o tempo deve ser limitado a uma hora diária, enquanto crianças entre seis e dez anos podem permanecer no máximo duas horas por dia diante dos dispositivos. Crianças acima de 11 anos devem ter no máximo três horas diárias, com pausas regulares.

A preocupação com o uso excessivo de telas também chegou ao ambiente escolar. A Lei nº 15.100/2025, que restringe o uso de celulares em escolas brasileiras, já está em vigor. Cada rede de ensino já definiu sua forma de implementação, mas a medida visa proteger a saúde física e mental dos estudantes e melhorar o desempenho escolar. 

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Dados do Datafolha (outubro/2024) mostram que 62% da população é favorável à proibição dos celulares nas escolas, número que chega a 65% entre pais de crianças até 12 anos.

Para ajudar as instituições a implementarem a nova norma, o Ministério da Educação lançou dois guias com orientações e apoio às famílias. A secretária de Educação Básica, Kátia Schweickardt, ressaltou a importância do uso racional da tecnologia. “O problema não é o celular, mas o mau uso dele. Precisamos mitigar os danos e potencializar os benefícios. Isso só se faz com planejamento e consciência.”

As novas diretrizes reforçam também que o uso pedagógico dos dispositivos continua permitido, desde que autorizado por professores ou necessário por questões de acessibilidade e saúde.

No fim, o alerta dos especialistas é unânime: limitar o tempo de exposição às telas não significa excluir a tecnologia da vida das crianças, mas usá-la com consciência, equilíbrio e responsabilidade. Nas férias ou durante o ano letivo, o melhor presente para uma criança continua sendo tempo de qualidade, afeto, convivência e liberdade para viver a infância com plenitude fora da tela.

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