Caiado cobra autonomia ao criticar PEC da segurança
O governador Ronaldo Caiado (UB) condenou nesta quinta-feira (31) a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública, anunciada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em reunião com gestores estaduais, no Palácio do Planalto. O goiano afirmou em discurso e em entrevista, logo após o encontro, que a medida é "inadmissível" e representa "usurpação de poder" dos entes federados. "Esse engessamento não vai dar certo", afirmou.
A PEC prevê, entre outros pontos, incluir na Constituição o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), além de ampliar as competências da Polícia Federal (PF) e da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e constitucionalizar o Fundo Nacional de Segurança Pública e Política Penitenciária. A intenção é garantir que a PF atue em ações de crimes ambientais e contra práticas cometidas por organizações criminosas e milícias privadas que tenham repercussão interestadual ou internacional.
O texto exige "repressão uniforme" aos crimes, com mais poder ao governo federal. Depois de cumprimentar Lula pela "iniciativa do debate", Caiado passou a direcionar críticas à matéria e à postura da União na área. O governador focou, principalmente, nas "diretrizes vinculantes", trechos da proposta que pretendem unificar o combate à criminalidade no país.
"É preciso ter humildade para buscar não só experiências teóricas, mas experiências práticas. Porque na teoria é muito fácil, que é o que está aqui no papel. A praticidade para fazer o combate é totalmente diferente. Se nós partirmos de premissas erradas, nós vamos chegar a soluções erradas", afirmou. Caiado destacou que os sistemas únicos de Educação ou Saúde não se assemelham à Segurança, já que "cada estado tem a sua peculiaridade".
"O governo federal tem que servir de apoio a nós. E não o governo federal e o Congresso Nacional quererem ditar regras para os entes federados. É uma inversão completa e partiram de uma premissa completamente errada", disse o governador.
"A proposta estipula diretrizes vinculantes aos estados e propõe normas gerais que sobrepõe a legislação dos estados. Presidente, a situação é tão grave que às vezes as pessoas subestimam e acham que enfrentar faccionado é muito difícil. Nós temos que tomar consciência de que precisamos enfrentar o crime para valer, ou então o crime vai tomar conta dos estados e do país", defendeu.
O goiano passou a citar ocorrências de ampliação das atividades do crime organizado no Brasil, principalmente do narcotráfico, para cobrar uma maior autonomia para se editar as legislações estaduais. Caiado apontou a entrada de criminosos em organizações sociais da saúde, na coleta de lixo, em postos de gasolina, usinas de álcool e açúcar. Citou ainda licitações de obras rodoviárias, em que "traficantes entram no setor, mergulhando o preço, para esquentar dinheiro".
O governador voltou a apontar a redução dos índices de criminalidade em Goiás e deu exemplo das cidades da região do entorno do Distrito Federal. "Você não tem a presença do crime em nenhum palmo de terra em Goiás", afirmou.
"Não vou botar câmera em policial meu de maneira alguma. Tenho que ter uma corregedoria séria, que não admita milícia. Não vou caminhar em uma situação como essa em que estamos aqui, a pagar salário e receber ordem do Congresso, da União, para dizer como vou me comportar em Goiás. É uma usurpação de poder, invasão de prerrogativa, em uma prerrogativa que já está garantida a nós, governadores", disparou o governador ao cobrar autonomia para legislar.
Ironias
Ao encerrar a reunião com os governadores, o presidente respondeu com ironia às críticas de Caiado. "O dado concreto é que é uma situação muito complicada. Tive o prazer de conhecer hoje o único estado que não tem problema de segurança, que é o estado de Goiás", disse Lula.
No mesmo tom, ainda pediu ao ministro da Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, para "ir levantar" as soluções de Caiado para o problema, "porque pode ser exemplo de todos os governadores", ironizou. "Era o Caiado que deveria ter chamado a reunião, para orientar como se comporta para acabar com o problema de segurança em cada estado", afirmou Lula.
"Nem sempre o estado quer que o governo federal auxilie. Não é todo crime que acontece no estado que a gente pode mandar a Polícia Federal, as pessoas não querem, elas são donas. Queremos unificar procedimentos, informações. Imagina se todos nós tivéssemos a metodologia do Caiado, teríamos muito mais informações", seguiu.
Antes de finalizar o encontro, Lula voltou a mencionar o goiano: "Duvido que em algum momento da história Republicana um presidente serviu tanta comida como eu servi nesta reunião. Eu não sei, Caiado, se chegou para você um pedaço de pamonha. Mas essa pamonha que eu comi aqui veio ontem à noite de Goiás, porque eu ganhei de presente pamonha e o famoso empadão de Goiás."
O governador respondeu sobre o tom do presidente ao ser questionado em coletiva, logo depois da reunião. "Olha, não é um assunto para ser discutido nesse nível. Não cabe ironia nesse negócio. É um problema muito sério. Eu fui eleito no primeiro turno e fui eleito na capital porque a pessoa mais humilde pega um ônibus e não tem o seu celular assaltado", disse.
"É isso que está sendo levado para brincadeira. Eu não estou aqui para brincar. Estou aqui para poder dizer quais são as prerrogativas que nós temos", disse, ao reafirmar a busca por autonomia para temas penais e controle de penitenciárias.
Também opositor a Lula, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), só sugeriu que a iniciativa do governo federal não se limite à PEC da Segurança Pública.