Goiás já enviou 7,5 mil bolsas de plasma para produzir medicamento

Hemocentro contribui para que o Brasil se torne autossuficiente na fabricação de remédios hemoderivados
Por Jornal Daqui / O Popular
Data: 17/04/2024
Bolsas de plasma do Hemocentro irão para a Hemobrás, em Pernambuco, para a produção do Hemo-8R, remédio mais usado no tratamento da hemofilia (Wildes Barbosa / O Popular)

Desde maio de 2023 o Hemocentro de Goiás já enviou para a Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás) 7.488 bolsas de plasma que serão utilizadas na produção de medicamentos. No último dia 4, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva inaugurou a nova unidade fabril do complexo em Goiana (PE), que ficará responsável pela produção nacional do medicamento Fator VIII recombinante (Hemo-8R), o mais utilizado no tratamento da hemofilia A, condição genética que afeta a coagulação do sangue. Para a Rede Hemo, esse movimento é de extrema importância, tanto pelo reconhecimento do seu avanço técnico, quanto pela contribuição para a autossuficiência nacional do remédio.

As bolsas de plasma humano são o excedente do que é coletado pela Rede Hemo nas doações de sangue. “O doador não está entregando seu sangue somente para a transfusão. Seu plasma agora é encaminhado para a produção de um medicamento. Temos muito orgulho disso porque estamos fazendo a destinação correta, sem descartar nenhuma bolsa. Estamos fechando um ciclo”, afirma a diretora técnica da Rede Hemo, a biomédica Ana Cristina Novais Mendes. Ela explica que isso só foi possível com investimentos em tecnologia e equipamentos de última geração, melhorando as condições técnicas.

Ana Cristina detalha que ao contrário de outros hemocomponentes, como plaquetas e hemácias que têm durabilidade de dias, o plasma dura um ano em condições adequadas. “Antigamente, os pacientes hemofílicos recebiam transfusões de crio, feito a partir do plasma, mas hoje medicamentos fazem o tratamento profilático e o excedente do plasma obtido nas doações, cerca de 80%, fica retido e conservado congelado.” Até a inauguração da nova unidade fabril da Hemobrás, esse excedente era encaminhado para um laboratório no exterior que fabricava o medicamento que é distribuído gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

“Se temos uma produção brasileira, com plasma brasileiro, para nossos brasileiros é autossuficiência”, lembra Ana Cristina. O Brasil é o quarto país do mundo com mais hemofílicos, cerca de 12 mil. Essa condição genética resulta na falta de proteínas necessárias para a coagulação do sangue. O medicamento Hemo-8R que será produzido pela Hemobrás é crucial no tratamento desses pacientes. A Rede Hemo, que é vinculada à Secretaria Estadual de Saúde (SES), sob a gestão do Instituto Tecnológico e Humano (Idtech), atende 707 pacientes em Goiás, portadores de coagulopatias. O atendimento é realizado nas unidades do Hemocentro Coordenador, em Goiânia, e de Rio Verde, no Sudoeste do estado.

João Pedro dos Santos Fabiano, 14, e o irmão Enzo Gabriel, 6, fazem parte do grupo de pacientes atendidos pela Rede Hemo. A mãe, Keila Racabe dos Santos Botelho, descobriu que algo estava errado com o primogênito quando ele estava com seis meses pela intensidade de hematomas. “A pediatra o encaminhou para o Hemocentro e lá descobri que era hemofilia A grave, uma condição genética. Como sou adotada, fui atrás da minha família biológica no Pará e descobri que dois de meus irmãos eram hemofílicos”. João Pedro passou a utilizar de imediato o medicamento Hemo-8R o que ocorreu com Enzo, que também nasceu com a mesma condição do irmão.

“Eles têm uma vida normal, fazem esportes. Eu até esqueço que eles têm hemofilia”, afirma a técnica de enfermagem. O tratamento, que não tem nenhum custo, é profilático para evitar problemas no futuro, como dificuldades de locomoção. A equipe da Rede Hemo, como explica a diretora técnica, Ana Cristina, é multiprofissional e treina os pacientes para terem autonomia. João Pedro, desde os 12 anos, utiliza sozinho o Hemo-8R, para orgulho da mãe Keila. A infusão dos irmãos é feita em casa três vezes por semana. “Eles têm qualidade de vida”, comemora.

O que é o plasma?

Plasma é a parte líquida do sangue, resultante do processo de fracionamento do sangue total. Da mesma forma que os concentrados de hemácias e plaquetas, o plasma é usado em transfusões em diversas terapias. Na hemoterapia, a transfusão do plasma absorve cerca de 20% da produção do hemocomponente. Os 80% restantes, o plasma excedente do uso transfusional, pode ser utilizado para beneficiamento na produção de medicamentos hemoderivados, como albumina, imunoglobulina e fatores de coagulação.

Medicamento nacional deve chegar ao SUS em setembro

A unidade fabril da Hemobrás em Goiana (PE), inaugurada pelo governo brasileiro no dia 4 deste mês, tem capacidade produtiva de 1,2 bilhão de unidades do medicamento fator VIII recombinante (Hemo-8R) por ano, suficiente para abastecer 100% da demanda do SUS pelo remédio. A previsão do Ministério da Saúde é que o medicamento totalmente nacional chegue ao SUS a partir de setembro deste ano, com aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Quando ficar totalmente pronta, até 2026, a Hemobrás será capaz de fracionar até 500 mil litros de plasma por ano.

O Hemo-8R é fundamental para o tratamento da hemofilia A. Ele previne sangramentos espontâneos e sequelas nas pessoas portadoras da coagulopatia. Atualmente, o medicamento é fornecido pela Hemobrás ao SUS por meio de uma Parceria para o Desenvolvimento Produtivo (PDP), mas a expectativa é que, com a produção totalmente nacional, haja redução de 30% no preço do remédio e aumento da oferta do medicamento nacional. Atualmente, segundo o Ministério da Saúde, o Brasil tem um custo de R$1,5 bilhão na importação de hemoderivados para o tratamento da hemofilia e outras doenças que necessitam da coagulação sanguínea.

Além do Fator 8 Recombinante, a expectativa é que a Hemobrás produza ainda quatro dos hemoderivados mais consumidos do mundo: o Fator 8, proteína usada no tratamento da hemofilia, combatendo sangramentos; Albumina, principal proteína do sangue, indicada para tratamento de queimaduras e hemorragias graves, cirrose, insuficiência renal e septicemias e recuperação de pacientes que fizeram transplante de fígado ou cirurgias cardíacas; Fator 9, outro proteína utilizada em pacientes de hemofilia B; e Imunoglobulina, indicado para pessoas com doenças neurológicas, deficiências imunológicas e doenças autoimunes e infecciosas, além de Aids e púrpura. A intenção do governo brasileiro é exportar os medicamentos para países que não possuem a tecnologia em seus territórios.

Criada em 2005 com o objetivo de reduzir a dependência brasileira do mercado externo no setor de hemoderivados, a Hemobrás abriu a operação do primeiro, dos 19 módulos previstos, em 2012. Em 2016, o Tribunal de Contas da União encontrou irregularidades no contrato com a empreiteira responsável pelas obras e a construção foi interrompida. Toda a direção foi afastada por determinação da Justiça Federal. Em 2022, três réus foram condenados, dois ex-funcionários da Hemobrás e um representante da construtora Concremat Engenharia e Tecnologia S/A. Segundo a Justiça, eles agiram em conluio.

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