Projeções para Goiás em meio a turbulências no mercado

Alta do dólar, aumento do preço do petróleo e nova meta fiscal do governo pressionam a inflação e devem afetar produção e consumo
Por O Popular
Data: 22/04/2024
Dólar em alta: atual taxa de juros dos EUA é um forte atrativo para investidores procurarem a renda fixa deste país (Kevin David/A7 Press/Folhapress)

Os últimos dias têm sido de turbulências no cenário econômico. O adiamento das apostas de corte de juros pelo Fed (Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos) provocou um reposicionamento dos mercados, fortalecendo o dólar. Aumentaram as tensões no Oriente Médio, com o ataque a Israel pelo Irã e a resposta israelense, o que tende a pressionar o preço do petróleo. No Brasil, o governo anunciou a mudança na meta fiscal de um superávit de 0,5% do PIB em 2025 para zero.

Incertezas que levam a uma revisão de expectativas sobre a trajetória de cortes na taxa básica de juros na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central (BC), em 7 e 8 de maio. O mercado passou a esperar um corte menor, de 0,25 ponto porcentual da Selic, em vez de 0,5 p.p.

Em entrevista ao lado do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no fechamento do encontro do G20 em Washington (EUA), o presidente do BC, Roberto Campos Neto, afirmou nesta quinta-feira (18) que vê três caminhos possíveis: uma volta à normalidade, um prolongamento da incerteza, e a continuidade desse cenário que acabe gerando uma reprecificação mais forte. “E aí termos uma ação e reação”, disse.

Quais os impactos dessa conjuntura na economia goiana, que tem crescido acima da média nacional principalmente devido ao agronegócio, e no orçamento das famílias?

Reflexos ao agro

“A desvalorização do real e a inflação têm o potencial de afetar vários aspectos da economia goiana, desde os custos de financiamento das empresas (quando possuem dívidas em dólares) até a competitividade das exportações, os custos de produção e os investimentos em infraestrutura”, indica Kallenya Lima, educadora financeira e mestra em economia.

Segundo ela, a valorização do dólar acarreta efeitos opostos na economia goiana: de um lado as importações de insumos necessários ao agronegócio ficam mais caras e, por outro lado, as exportações ficam mais baratas, logo, mais competitivas no mercado internacional.

Marcus Antônio Teodoro, economista, especialista e mestre em finanças, concorda que tende a haver uma compensação à alta nos custos de insumos, fertilizantes e sementes que têm patentes com preços em dólar, pelo favorecimento às exportações decorrente da desvalorização do real. “Depende muito da manutenção dessa taxa cambial, se ficar muito tempo nesse câmbio, podemos ter maiores consequências”, observa ele.

Jeferson de Castro Vieira, economista, doutor pela UnB, professor de economia e de mestrado em desenvolvimento e planejamento territorial da PUC- GO destaca que o conflito no Oriente Médio já se reflete no aumento do preço de combustíveis e que Goiás importa bastante diesel, além de afetar no valor de fertilizantes. “Ou seja, já se nota aumento de custos”, comenta.

Já a economista e sócia da Tendências Consultoria, Alessandra Ribeiro, também menciona a cotação de commodities diante de juros mais altos mantidos nos EUA por mais tempo, que valorizam o dólar e derrubam o preço dessas commodities em real, devido à depreciação do câmbio. “É um vetor de baixa quando se fala em preços em dólar, com potencial alta nos preços dos insumos. Para o setor agropecuário, o viés é negativo”, afirma.

Ações e imóveis

Num cenário de acirramento da crise, costumam ocorrer duas fugas de investimentos, situa Vieira: a primeira é para o ouro; a segunda para aplicações no mercado americano, principalmente com juros em patamar elevado como hoje. “Para Goiás isso é ruim, precisamos atrair investimentos de fora”, alerta.

Grandes grupos goianos, prossegue ele, como Jales Machado S/A, Superfrango e Boa Safra S/A, estão lançando ações, novos títulos, e esses produtos financeiros começam a ter dificuldade no mercado internacional. “Com essa perspectiva de juros altos nos EUA e no Brasil, fica menos favorável para esse tipo de financiamento no mercado de ações, o crédito também fica mais caro, e essas empresas precisam crescer.”

Somando-se a isso, Kallenya Lima lembra que um dos fatores que influenciam as cotações dos ativos na Bolsa de valores são as expectativas do mercado.

“Essas expectativas direcionam as escolhas dos investidores. Por isso em momentos de queda da Bolsa é natural o movimento de investidores para ativos tradicionais ou menos voláteis, como renda fixa e imóveis. Este movimento tende a colaborar para o aquecimento do setor imobiliário, em outras palavras, elevar o preço dos imóveis.”

Mas caso se confirme um freio ou mesmo interrupção da trajetória de cortes da taxa básica de juros, o mercado imobiliário pode ser afetado, adverte Alessandra Ribeiro. Trata-se de um setor muito dependente de crédito e que também é influenciado por uma maior percepção de risco no caso de financiamentos a longo prazo, o que pode ter efeitos negativos nas aquisições de imóveis.

Ainda em relação a imóveis, os preços podem subir, diz Teodoro. “No caso de investidores, as orientações básicas nesse cenário de oscilações é cautela, tem que obedecer ao próprio perfil, e ficar atento”, orienta ele, apontando para possibilidade de fortes oscilações na Bolsa e outros tipos de aplicações. “Até renda fixa no Brasil é variável”, salienta. Contudo, o especialista em finanças fala em “mar agitado, mas nada de tsunami”.

Ter uma estratégia coerente com seu perfil financeiro, valores pessoais e objetivos, e segui-la são também as recomendações de Kallenya Lima. “Quem investe para longo prazo precisa observar se os fundamentos que lhe direcionaram para construção de sua carteira de investimentos se mantêm e não se deixar levar por ruídos do mercado financeiro. Logo, dependendo da estratégia, a queda da Bolsa pode se revelar um momento de oportunidades.”

Endividamento

Para Alessandra Ribeiro, essa junção atual de elementos - alta do dólar, aumento de juros futuros, pressão inflacionária, incertezas no exterior - também afeta negativamente o consumo das famílias.

Vieira confirma esse rebate nas finanças das famílias se os juros permanecerem elevados. “O grau de endividamento das famílias goianas é alto, assim como o grau de comprometimento da renda. Se os juros não seguirem na tendência de queda, vai crescer a dificuldade em pagar dívidas e as pessoas vão consumir menos. Isso pode desacelerar um pouco a economia no estado”, projeta ele.

Outro ponto preocupante é a inflação, considerando que o preço do barril de petróleo é diretamente influenciado por conflitos no Oriente Médio, o que leva a uma expectativa de alta generalizada de preços, afetando os consumidores e as empresas que dependem do petróleo e de seus derivados, discorre Kallenya Lima.

Ela acrescenta que, diante da revisão da meta fiscal, “uma consequência direta do aumento dos gastos do governo é a inflação”. Conjuntura em que é prioritário planejar o orçamento doméstico e economizar.

Em contrapartida, Vieira menciona que as dívidas com relação ao PIB da China, dos EUA, da França e do Japão são muito maiores que o endividamento do Brasil. “Nesses países, o grau de dívida pública é muito alto”, enfatiza. Ele também se refere ao relatório do FMI que mostra que a dívida pública brasileira vai aumentando, entretanto, afirma que a revisão recente feita pela instituição melhorou ante a previsão do início do ano.

O economista acredita que a meta definida pelo CMN (Conselho Monetário Nacional) de 4,5% de inflação deve ser cumprida. A partir deste ano, o alvo é de 3%, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto porcentual para mais ou para menos. Isso significa que o objetivo é considerado cumprido se oscilar entre 1,5% (piso) e 4,5% (teto).

Dólar

A pressão sobre a câmbio deve continuar, expõe Kallenya Lima, porque a da taxa de juros dos EUA é um forte atrativo para investidores procurarem a renda fixa deste país. “Do ponto de vista brasileiro, promove a saída de dólares, contribuindo ainda mais para desvalorização do real frente ao dólar”, justifica.

Situação que pode levar a uma intervenção da autoridade monetária. Com reservas internacionais de US$ 355 bilhões, “o Banco Central tem bala na agulha para injetar dólar no mercado e barrar especulação”, lembra Vieira. “Reservas internacionais servem para isso, deter especulação contra a moeda”, explica sobre o fato de não prever grandes saltos na divisa americana no curto prazo.

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