Eixo da Saúde na Portugal divide empresários do setor

Proposta que direciona benefícios ao local é alvo de questionamentos por entidades, médicos e proprietários de hospitais
Por O Popular
Data: 19/03/2024
Trecho da Avenida Portugal, no setor Marista: médicos querem que benefícios tributários não fiquem só na região (Fábio Lima / O Popular)

O projeto de lei que cria o Eixo da Saúde em Goiânia tem dividido os médicos empresários da saúde na capital. Enquanto o grupo de empresas que compõem o eixo defendem a transformação da região da Avenida Portugal em arranjo produtivo local (APL), com o objetivo de conseguir incentivos fiscais, médicos de outras regiões ou que até têm empreendimentos na avenida acham a proposta absurda e têm até se reunido para falar do tema desde a reportagem do POPULAR da semana passada.

Presidente da Associação dos Hospitais Privados de Alta Complexidade do Estado de Goiás (Ahpaceg), o médico Haikal Helou acredita que o projeto começou “violando o preceito básico do entendimento do diálogo”. Para ele, faltou ao vereador ouvir a todo o setor. “Nós somos vítimas constantes de boas ideias muito mal conduzidas por alguém que não conhece o setor. Eu tenho a impressão que é mais um caso disso”, diz.

Helou afirma que, conceitualmente, o grupo que integra a Ahpaceg não é contra a ideia de incentivos à saúde. “Mas eleger uma avenida para concentrar é estúpido. Não tem outra palavra”, avalia. Apesar do grupo Eixo da Saúde defender que a região da Av. Portugal tenha a maior concentração de clínicas da cidade, o presidente da Ahpaceg duvida que já tenha ultrapassado a densidade hospitalar do Setor Aeroporto, por exemplo.

Na sua avaliação, a medida não traz benefícios a ninguém. “Ao usuário não é, à instituição também não é, a cidade também não. Quem ganha com isso? Acho que ninguém”, questiona. Helou afirma que foi pego de surpresa pela proposta. “Que de cara parece imbecil”, diz.

O médico volta a defender uma medida do tipo para toda a cidade e cita uma lei de Ribeirão Preto, São Paulo, em que a iniciativa funcionou. “Durante muitas décadas, Goiânia foi referência para a região Centro-Norte do país. Era muito comum os pacientes virem da Bahia, do Mato Grosso, hoje eles vão para Brasília. Então, Goiânia voltar a ser um polo (seria interessante)”, considera.

Ele concorda que a alíquota de 5% do ISSQN é alta e deveria ter um incentivo para a saúde. “Achamos que é um imposto elevado comparado com a região e que nós poderíamos trocar isso por serviços, divulgação, melhoria na rede assistencial, indicadores de qualidade”, diz ao defender uma contrapartida para a população. Segundo Helou, o assunto rendeu comentários entre os empresários que fazem parte da Ahpaceg.

Os médicos Luiz Rassi Júnior e Anis Rassi Júnior, que são primos, se manifestaram em carta do leitor, publicada na edição do fim de semana do POPULAR, depois da matéria sobre o projeto de lei. Luiz conta que, em 1996, construiu a primeira unidade do Centro de Diagnóstico por Imagem (CDI) em Goiânia, na Avenida Portugal, quando não tinha nada de saúde lá. Nas próximas semanas, ele inaugura uma unidade do CDI Premium na região, mas, mesmo assim, é contra a proposta.

“Isso pode parecer paradoxal, porque teoricamente eu deveria apoiar a ideia, mas eu acho absurda. Goiânia é uma cidade espalhada, não existe uma concentração de hospitais, clínicas, laboratórios, bancos de sangue como Brasília, que tem o setor hospitalar”, diz. Rassi diz que apoiaria o projeto se fosse beneficiar a cidade como todo. “Hoje, a gente paga 5% de ISSQN, que é absurdamente alto, a Prefeitura poderia baixar para 2% e aí, sim, beneficiar a todos”, acrescenta.

O médico afirma que a justificativa de que, na região, a pessoa que vai fazer o turismo médico consegue acesso a hotel e restaurantes não se sustenta porque isso também ocorre em outras regiões da cidade. “No Setor Aeroporto, o que tem de gente que vem do Acre para serem atendidos, e lá tem hotéis, restaurantes, clínicas, hospitais que podem dar o mesmo tipo de atendimento”, defende.

Privilégio

Rassi lembra que médicos que atendem em hospitais da Avenida Portugal também atendem em outras regiões da cidade. “Não há porque privilegiar uma avenida em detrimento do resto da cidade”, diz. Para ele, não há diferença de padrão de atendimento da região alvo do projeto com as demais de Goiânia. “Eles (hospitais de alto padrão) estão esparramados na cidade e no Estado. Eu não acho que na Av. Portugal tem algo diferente do resto da cidade”, afirma o médico.

Apesar de ter fundado o CDI, atualmente Rassi toma de conta do CDI Premium, depois de ter desfeito a sociedade com quem hoje é responsável pela unidade. Fernando Porto, diretor executivo do CDI, explica que está na parte que ficou com o grupo da radiologia e Rassi ficou com a cardiologia. Luiz Rassi era sócio de Ari Monteiro Daher e José Monteiro Daher. Os dois grupos agora só têm em comum a nomenclatura.

Porto, mais uma vez, defende a proposta e diz que a ideia é despertar o setor para buscar incentivos, diante da demanda que já existe de vinda de pacientes de outros Estados. “Para que a gente possa trabalhar e lutar para que a gente consiga melhores benefícios tributários, fiscais. Isso não é só na região da Av. Portugal. Sugiro que os colegas assistam, acompanhem e leiam o projeto, porque o próprio vereador tem apresentado isso de forma ampla”, disse.

Ele não vê problema em estender o eixo para toda a cidade. “A provocação foi interessante para esse despertar do mercado. Esse é o nosso grande objetivo, buscar essa articulação de todo o mercado da saúde. O eixo começou na Av. Portugal, mas não finaliza ali”, argumenta.

Porto diz ter ficado feliz com a repercussão. “(Fico feliz) com a notoriedade, com o holofote que o Luiz deu a mim. Acho que ele mudou a configuração do que foi discutido”, afirma.

O objetivo do projeto do vereador Lucas Kitão (PSD) é criar o arranjo produtivo local (APL) Eixo da Saúde, que compreende a região da Avenida Portugal. A intenção é de que, após a aprovação, o setor busque incentivos fiscais por parte da Prefeitura de Goiânia.

Adaptação

O vereador admite que pode adaptar o projeto de lei para que englobe mais regiões da capital. Desta forma, não só a Avenida Portugal se tornaria um arranjo produtivo local (APL), mas um conjunto de regiões. Segundo o parlamentar, ele está em conversa com a Associação dos Hospitais do Estado de Goiás (Ahego) sobre o assunto.

Kitão afirma que o projeto apresentado na semana passada, com foco na Av. Portugal, foi “só o início”. Segundo ele, depois da repercussão, a Ahego entrou em contato com o vereador e propôs a sua ampliação. “O projeto é nomeando aquela região, inclusive a Portugal. Não vai mudar o nome da rua, a gente nomeia a região como Eixo da Saúde”, disse em reação às cartas publicadas pelos médicos contrários.

Segundo o vereador, para ampliar, a ideia seria criar um polo da saúde e bem-estar, já previstos na atual legislação, modificada pelos novos plano diretor e código tributário municipal. “Em cima dessa previsão a gente pode criar no mapa o polo. A minha ideia era levar o debate para a Prefeitura, para estudar como a gente potencializa isso para todo mundo”, explica.

Kitão reforça que não está trabalhando em prol de uma região e contra outras. “Eu não fico hora nenhuma dizendo que o Setor Aeroporto não tem importância, que as clínicas do Marista não têm. Eu não estou advogando para um grupo empresarial. A minha ideia é incentivar o setor produtivo aqui”, diz.

O vereador explica que não consegue ampliar para toda a cidade, mas vai estudar o que pode ser feito, seguindo o que está no plano diretor. “Eu quero ver em cima dos mapas das associações, onde está concentrado o serviço de saúde particular de Goiânia”, afirma.

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